quinta-feira, novembro 17, 2005

Um dia, quem sabe.









Não existe pior corte no mundo do que a expressão: "um dia, quem sabe". "Um dia, quem sabe" significa nunca mais, esqueça, acabou, não alimente esperanças, desista ou espere sentado.
Quando Rodrigo sentou à mesa pela manhã e não viu as torradas com doce de figo perguntou à Marília:
- Mariiiiiiiii! Você não fez as torradas com figo?
- Não.
- Esqueceu?
- Não.
- Não vai fazer?
- Um dia, quem sabe.
Não disse mais nada.
À noite, já deitados na cama, ele ainda tentou puxar assunto:
- Como foi seu dia?
- Normal.
- Foi ao mercado?
- Hã hã.
- Comprou doce de figo?
- Não.
E no dia seguinte nada de torradas no café da manhã. E no outro dia também, e no outro e no outro.
Qualquer diálogo entre os dois sempre começava e terminava com um hã?, hum?, é...? e assim por diante.
Passados 2 meses, Rodrigo começou a achar que a TPM de Marília estava indo longe demais. E a crise das torradas terminou em separação.
Um belo dia, tempos depois, Rodrigo aparece no shopping de mãos dadas com uma menina de 19 anos, estudante do segundo ano de arquitetura, loira, turbinada, marquinha de biquini, tudo em cima. Tudo mesmo!
Rodrigo começou a fazer academia, usar roupas de griffe, sair todos os finais de semana, comprou um Kadett tunado, mudou o corte do cabelo e nunca mais comeu o diabo da torrada com doce de figo.
Numa manhã de sábado, após uma noite de sexo selvagem, Rodrigo estava tomando café na cama com suco de laranja, fatias de melão, biscoito e boquete, quando toca o celular. Era Marília aos prantos e pela vez em meses falando uma frase completa:
- Oi Rô...(snif!) olha, hoje eu acordei, (glup!) fiz café com torradas e doce de figo e lembrei de você. Olha, Rô... quando quiser vir aqui pra tomar café comigo, ou sei lá... só pra conversar um pouco, pode vir tá!? Cê sabe o endereço.
Contam na faculdade de arquitetura que ele ainda olhou para o seu reflexo no espelho do teto antes de responder:
- Um dia, quem sabe.

quarta-feira, novembro 16, 2005