O Bom e o Melhor
A noite caia como uma espinha de peixe não digerida derrubada por uma gaivota em pleno vôo, ainda que ele não soubesse como caem as espinhas de peixe não digeridas derrubadas por gaivotas em pleno vôo.
Parado diante da analogia tacanha, segurando o riso nas entranhas, ele esperava pela mulher de sua vida. Somente o autor, no caso eu, e agora o leitor, no caso você, faziam companhia ao pobre homem quando o tiro ecoou e a rua já silenciosa silenciou de todo. Ele desejou entrar no prédio dela, mas não podia interfonar e correr o risco do pai atender e lhe soltar os cachorros, ou um balde de água fria, via terceiro andar, direto em seu tão calculado traje. Ainda se fossem espinhas de peixe, para que ele pudesse saber a razão da tal analogia com o cair da noite...
Mas não, não tinha para onde correr. Não tinha carro nem garelli. Poupava para isso, mas o serviço lá no seu Nilso (só pra rimar) pagava mal. E depois, as noites com Eunice nunca eram baratas. Muito pelo contrário. A mocinha gostava do bom e do melhor. E ainda não tinha liberado o bom e o melhor para ele. Talvez esta noite, não fosse o tiro.
Deitar no chão. Em algum lugar, alguém ou alguma coisa falou para se deitar no chão durante um tiroteio. Era feio, mas fazer o quê?
Foi quando viu os sapatos. As pernas bem torneadas. A saia curta. Os seios fartos a delinear a blusa justa. E antes de chegar ao rosto assustado de Eunice, algo parecido com um macaco hidráulico já o colocara de pé. Sempre de pé. Culpa da Eunice, que não liberava o bom e o melhor.
- Um tiro, querida...
E ao falar, como um imã, atraiu novo disparo. E novamente pôs-se aos pés de seu amor. Foi quando o corcel podre passou, com seu escapamento explosivo. Definitivamente, o bom e o melhor ficariam para outra vez. Ou para nunca mais.