Bom Filme Ruim - “Xtro” (Harry Bromley Davenport)
Houve um tempo, improvável, mas mesmo assim real, em que os filmes que você assistia em casa não existiam como pacotes de dados circulando pelo ciberespaço. Nem mesmo como disquinhos brilhantes lidos por raios azuis ou vermelhos. Houve um tempo em que eles existiam em fitas magnéticas recobertas por um vil plasticão preto e duro. Eram chamadas de VHS. E estavam disponíveis em videolocadoras ou, ainda antes, em videoclubes.
E houve um tempo, entre o “ainda antes” do parágrafo anterior e o “um pouco depois” recém-surgido neste parágrafo, em que 99,9% dos acervos eram piratas. Uma pirataria por vezes tão tosca quanto a que existe hoje nas cópias gravadas direto das telas de cinemas, só que ainda pior por culpa das câmeras VHS, bem maiores e bem piores que as atuais. “Rambo II” eu vi numa cópia assim, com ecos que pareciam gravados no Grand Canyon e uma imagem tão borrada que era quase como se o tubo de raios catódicos fosse feito de vidro jateado – sem falar das pessoas entrando e saindo da sessão na minha frente, e isso na TV de casa. Até hoje me surpreendo com o fato do filme se passar, na maior parte do tempo, durante o dia (jurava que era tudo à noite), e de Rambo não ser um cara negro - como o personagem de Robert Downey Jr. neste filme recente também de guerra na selva (se eu não tivesse revisto “Rambo II” em cópia decente um tempo depois, poderia até pensar que o personagem branco/negro em “Trovão Tropical” era uma homenagem/referência/paródia ao Rambo do Sylvester Stallone).
Mas como sempre eu divago um montão (pelo menos sem dizer “ah! no passado era tudo mais bão”). O lugar aonde eu queria chegar, ou o tempo, sei lá, era mais ou menos nesta época em que os filmes eram todos piratas e, até por conta disso, inúmeros filmes eram tosqueiras obscuras que nunca mais eu vi na vida, seja em fita original, DVD ou mesmo nos e-mules da vida. Muitas vezes porque nem o nome do filme, nem diretor, nem atores eram dignos de permanecer na minha memória. Não é o caso de “Xtro”.
Mesmo sem saber de elenco ou equipe técnica, eu guardava algumas boas memórias do filme. E revendo-o, eu descobri a razão. O filme é uma tosqueira muito boa. E tem inúmeras cenas emblemáticas, fortes, marcantes mesmo. E isso não é piada. As cenas impressionam pelo ineditismo, pelo inusitado, pelo impacto visual e, algumas, claro, pelo absurdo e pela gratuidade. A primeira aparição do ET, o (re)nascimento do abduzido, o Falcon vivo, o tanque de guerra, o surreal (e besta) palhaço sem-graça, os contatos imediatos – tudo isso permanecia gravado de forma indelével na minha memória, desde os tempos de adolescente babão até hoje. E o pior: era tudo (ou quase tudo) muito bão.
Reencontrar tal tosquice foi como reencontrar um momento quase imaculado do meu passado (profundo isso, não?).
Pra você entender mais ou menos sobre o que versa o (estapafúrdio e frágil) roteiro, pense nele como uma versão inglesa e “do mal” de “E.T – O Extraterrestre” (veja só, eu lembrava até que o filme era inglês, mas isso só por conta da mão inglesa por onde os personagens dirigem pra lá e pra cá – e muito!).
Em suma: vale ver. E ter medo. Pouco medo. E rir. Rir muito.
quinta-feira, março 19, 2009
quarta-feira, março 18, 2009
Diferente para Sempre
A garoinha fina insistia em cair. Ou em flutuar no ar, melhor, porque de tão fina e leve quase nem conseguia chegar ao chão. Ficava suspensa, molhando por mais tempo os rostos cinzas que iam e vinham e vinham e iam. Quando então, do nada, um rosto sem nada de cinza cruzou o seu campo visual. O café que ele bebia no café, quase tão sem açúcar quanto todos os outros rostos vistos durante as horas anteriores, foi deixado pela metade. Ele sabia que deveria seguir o rosto que não era cinza. Havia uma razão que ele desconhecia para os seus passos apressados.
O rosto nada cinza pertencia a uma mulher linda, feita de cores e luzes. Nada difícil de seguir. Era como se a vida só existisse nela. Talvez por isso ele não se importasse em trombar nas outras pessoas - elas não tinham vida nenhuma para ser perturbada pelos encontrões. Foi chegando mais perto. O brilho aumentava. O perfume suave e único já podia ser sentido. Foi quando a mulher feita de vida, luz e cor pôs-se a atravessar a rua. E ele, ao tentar fazer o mesmo, viu o sinal cinza fechar. E ela se distanciar.
Foi quando gritou. Um grito besta, alto e estranho. E assim como o resto do mundo, ela também parou. E se voltou para ele. No segundo seguinte, o resto do mundo voltou a viver a sua vida cinza, posto que o grito se revelou só um ruído, mas ela, ela permaneceu parada do outro lado da rua. A observá-lo.
E então, ela sorriu para ele. Um sorriso tímido e breve. Breve e insuficiente, posto que no momento seguinte ela seguiu em frente. E desapareceu entre os tantos outros cinzas que desciam a escadaria do metrô junto com ela.
Ele ficou ali parado, quase podendo vê-la no lugar antes realmente ocupado por ela. E de repente seus lábios começaram a se curvar. As extremidades onde eles se encontravam começaram a subir pelo rosto. E ele sorriu. E seguiu o seu caminho. Meio cabisbaixo, como sempre. O suficiente para que pudesse ver as suas mãos naquele ir e vir constante. E eis que elas pareciam deixar o cinza para trás. E brilhavam naqueles tons de pele e luz e sombras que ele esquecera existir. E o sorriso não mais o deixou. E ele se foi, diferente, para sempre.
A garoinha fina insistia em cair. Ou em flutuar no ar, melhor, porque de tão fina e leve quase nem conseguia chegar ao chão. Ficava suspensa, molhando por mais tempo os rostos cinzas que iam e vinham e vinham e iam. Quando então, do nada, um rosto sem nada de cinza cruzou o seu campo visual. O café que ele bebia no café, quase tão sem açúcar quanto todos os outros rostos vistos durante as horas anteriores, foi deixado pela metade. Ele sabia que deveria seguir o rosto que não era cinza. Havia uma razão que ele desconhecia para os seus passos apressados.
O rosto nada cinza pertencia a uma mulher linda, feita de cores e luzes. Nada difícil de seguir. Era como se a vida só existisse nela. Talvez por isso ele não se importasse em trombar nas outras pessoas - elas não tinham vida nenhuma para ser perturbada pelos encontrões. Foi chegando mais perto. O brilho aumentava. O perfume suave e único já podia ser sentido. Foi quando a mulher feita de vida, luz e cor pôs-se a atravessar a rua. E ele, ao tentar fazer o mesmo, viu o sinal cinza fechar. E ela se distanciar.
Foi quando gritou. Um grito besta, alto e estranho. E assim como o resto do mundo, ela também parou. E se voltou para ele. No segundo seguinte, o resto do mundo voltou a viver a sua vida cinza, posto que o grito se revelou só um ruído, mas ela, ela permaneceu parada do outro lado da rua. A observá-lo.
E então, ela sorriu para ele. Um sorriso tímido e breve. Breve e insuficiente, posto que no momento seguinte ela seguiu em frente. E desapareceu entre os tantos outros cinzas que desciam a escadaria do metrô junto com ela.
Ele ficou ali parado, quase podendo vê-la no lugar antes realmente ocupado por ela. E de repente seus lábios começaram a se curvar. As extremidades onde eles se encontravam começaram a subir pelo rosto. E ele sorriu. E seguiu o seu caminho. Meio cabisbaixo, como sempre. O suficiente para que pudesse ver as suas mãos naquele ir e vir constante. E eis que elas pareciam deixar o cinza para trás. E brilhavam naqueles tons de pele e luz e sombras que ele esquecera existir. E o sorriso não mais o deixou. E ele se foi, diferente, para sempre.
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