segunda-feira, dezembro 04, 2006

Nem Mesmo o Frio



Ela vagava devagar entre divagações e vaga-lumes. À luz da lua, o lago lembrava uma lúgubre laje sepulcral. Ali, alienada pelas aliterações, ela limitava-se a lançar pedras na água, buscando quebrar aquele efeito funéreo feito de reflexos prateados. De repente um medo. Medo de que as pedras estivessem quebrando aquele túmulo lacustre. Medo de que, a qualquer momento, o defunto de um afogado emergisse das águas agitadas em busca de vingança ou de qualquer outro clichê de filme de horror.
Parou. Olhou ao redor. Nada. Nada além do coaxar de sapos inabaláveis diante da breve turbulência aquática. Nada além de alguns faiscantes e frustrados vaga-lumes, incapazes de rivalizar com a luz da lua. Nada além dela, pés descalços, vestido branco, tristeza opaca.
Pousou um pé na água e não soube dizer se estava fria. Devia estar. Mas não sentia. Nada. Vasculhou sua memória recente em busca de uma sensação qualquer. Qualquer frio, calor ou mesmo dor. Não achou. Assim como não se achou ao buscar seu reflexo na água.
Então compreendeu porque a lúgubre analogia entre lago e lápide. O defunto afogado era ela. A busca por vingança ou qualquer outro clichê de filme de horror era a sua. Mas estava só, sem ninguém para assombrar. Voltaria a se deitar em sua tumba subaquática. Sozinha. Sem nem mesmo o frio para lhe fazer companhia.

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