Um dia desses, em meio à chuva, ele olhou para a viúva da
casa ao lado, que só era viúva para formar a primeira rima pobre deste texto
mal enjambrado. E a viúva comia uvas, numa imagem diáfana que lhe deixou sem
ação, e que me deixou sem rima. Entre as janelas das duas casas vizinhas, só a
chuva caindo fininha. E ele, de olhar fixo na viúva apetitosa - que nunca antes
havia visto como tal – pensava sandices que no fundo nem faziam tanto mal. Era
ele um viúvo triste também, como convém a uma história assim. No fim, ficariam
juntos, já que eu, como autor da trama, não antevia reviravoltas nem mudanças,
e seguia sem muita esperança de fechar tudo com jactância. E o viúvo, tomado de
coragem abrupta, culpa talvez de sua impaciência para com o dono desta pena
irresoluta, abriu a porta de casa disposto a tocar a campainha da vizinha. O
que dizer, ele ainda não sabia. Mas sorria. Por certo uma desculpa esfarrapada
surgiria durante a travessia daquele jardim repleto de inesperada alegria.
Inesperado também foi o raio fulminante que cruzou os céus
para atingi-lo em cheio, fritando esperanças e devaneios. E antes mesmo do
trovão, o viúvo já jazia sem vida no chão. E tão surpreso quanto o morto se viu
o autor deste conto torto. Às vezes as histórias têm vida própria, sem rima,
sem graça, sem sentido algum.
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